Thursday, February 09, 2006

Mais literatura: Veredas

Mais uma empreitada literária que começa. Saio da França do 19 para o grande sertão, aquele mesmo. A capa roxa e amarela, o assombro, meu medo.

Um poema de Drummond escrito em homenagem à Guimarães abre a edição, magia:

UM CHAMADO JOÃO
Carlos Drummond de Andrade

João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparandono exílio da linguagem comum?

Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentesdeslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
de precípites prodígios acudindoa chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulasde abracadabra, sésamo?
Reino cercadonão de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não seio nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar."

Com esse poema assustador começou meu Grande Sertão: Veredas; e conversou comigo tão diretamente, tão clara e diretamente, que ficou óbvio, e mais que óbvio, que o momento de lê-lo era (é) este e nenhum outro. O livro abriu a boca e disse pra mim, como num segredo, que música é literatura e vice-versa, que ambas são sexo e desejo, e que a vida não passa de ficção.

Minha prima Paula quando não sabe o que fazer, consulta o Grande Sertão numa página qualquer, como a um I Ching, como a um oráculo. O livro está nas primeiras páginas, mas começo a entender o que acontece. Assombro.

5 Comments:

Blogger carolina said...

você é minha ídola.

11:45 AM  
Blogger Unknown said...

amo esse tal de joão nessas tal de veredas

8:16 PM  
Blogger pancake said...

amo esse tal de joão nessas tal de veredas

(login errado acima)

8:16 PM  
Blogger [lu] said...

é, fia, mas você ficou fazendo coisa muito mais legal do que cantar 'borbulhas de amor' até às nove da manhã...

8:25 AM  
Blogger carolina said...

ei. essa fui eu que cantei. acompanhada. rá.

6:00 AM  

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