Friday, November 02, 2007

Mudei-me

Mudei-me de endereço. Eu já não moro mais aqui. Eu já não trabalho mais aqui.

Os relatos reunidos em "Blue Shadows" contêm em si o que de mais íntimo consegui escrever nos últimos dois anos e meio. Descobertas sobre o jornalismo (o blog entrou no ar logo pouco depois da minha entrada na Folha, em 2005); descobertas sobre literatura e música; descobertas sobre São Paulo; descobertas sobre o amor _e sobre o desamor também

Foi um tempo intenso; um tanto feliz, um tanto sofrido, mas tão intenso. Manhãs chuvosas no trânsito; tardes abarrotadas no jornal; noites iluminadas pelos bares e casas dos bons amigos; madrugadas insones em livros e CDs.

E eis que agora, então, um novo começo: outro espaço, outra medida, outro contexto. Um novo blog haverá de surgir para dar conta de tudo isso... neste só caberiam agora palavras usadas e sentimentos desgastados. Mudei-me por inteiro. Ainda no casulo, o próximo blog ainda não tem nome nem endereço. Quando tiver, aí será.

"Todo ato de criação é, antes de tudo, um ato de destruição" (Picasso).

Aqui se encerra o Blue Shadows in the Street. Para que venha o novo.

Monday, July 30, 2007

O primeiro e último Bergman

Eu devia ter uns 12 anos quando me contaram que havia um filme. Um filme em que um homem jogava xadrez contra a morte. A imagem me atormentou durante anos (naquela pré-adolescencia eu já intuia que esse era o jogo que todos nós jogávamos, o tempo todo).
Só aos 17 tomei coragem e assisti "O Sétimo Selo". Foi o primeiro Bergman de alguns que se se seguiriam, e lembro que me impressionou a atmosfera sombria e densa que envolvia o filme inteiro. Havia ali uma névoa, uma marca, um jeito único de filmar. E era impressionante.

O último que vi foi em novembro, cinco ou seis dias antes do meu último aniversário. Me lembro até da roupa que eu vestia, na casa daquele rapaz que me convidou para "uma sessão" Bergman. Levei da minha coleção o "Através do Espelho", uma obra prima de 1961. Ele tinha vários outros títulos, e um avô que na manhã seguinte comentava a obra do cineasta com ares de especialista.

(Na tarde seguinte falei para Isabel ao telefone:
- Mas, Bel, preste atenção, como posso não me apaixonar por um cara que me chama para ver Bergman no sábado à noite?)

E já é 30 de julho. Hoje soube que Bergman morreu. Fiquei um pouco inquieta. Com a sensação de que perdi uma espécie de analista; alguém de quem eu só conhecia o contorno, mas que me conhecia muito bem, muito a fundo (gritos e sussuros)

Berg + Man. Começo a escrever esse post e percebo que são as terminações dos meus dois sobrenomes. E uma rajada de vento me atravessa.

Descanse agora, senhor diretor.

Nós continuamos a partida de xadrez, na ansiedade pelo xeque-mate. É um jogo implacável, mas o que pode haver de mais impresionante? De mais maravilhoso?
A vida, ah... a vida e seus morangos silvestes.

Wednesday, July 18, 2007

Basta um dia

Entre o começo da manhã e o fim da noite tudo aconteceu. Já tinha decidido que vestiria a camisa branca _mandou passar de última hora_ e os brincos verdes meio novos.
No mesmo dia ela fechou uma edição da ilustrada aos gritos e barrancos (como todos os dias), saiu correndo atrasada para um almoço com uma galerista simpatissíma e, depois do risoto de shitaki (que italiano recém-chegado de Milão cismava em chamar de funghi) atravessou o trânsito do itaim à vila madalena para a continuação da tarde

Passou uns 20 minutos dentro da instalação do Matheus Rocha Pitta na Millan (tinha visto ainda antes de pronta para fazer a matéria) e naquela sala escura formada por latas de metal teve alguns insights sobre as funções (embora 'função' não seja propriamente a melhor palavra) da arte contemporânea. Dentro do cubículo, esperou. Primeiro que D. ligasse, depois aparecesse e que pudessem atravessar a rua debaixo da garoa e tomar um capuccino.
Ele repetiu três ou quatro vezes que estava feliz em revê-la, com o mesmo ar de menino. Ela se limitou a sorrir e falar de seus planos _de viagem, de trabalho_ , com ar de mulher bem resolvida.

Em francês, o último filme do Resnais cham-se apenas "Coeurs", mas confesso que gostei dessa tradução brasileira de "Medos Privados em Lugares Públicos".

(E ela esquivou as mãos do que poderia ser o começo de um novo mar de intimidades.)

Saiu para análise e pouco antes das 20h descobriu que 180 vidas tão cheias de meandros quanto a sua tinham acabado de extinguir-se no Aeroporto de Congonhas. Diante da dor dos outros. (Lindíssimo esse livro da Sontag). A TV mostrava as chamas tomando o avião, a cidade... e nem ela nem os bombeiros nem ninguém poderiam fazer nada.

Voltou à Barão de Limeira esquecendo tudo que pensara sobre arte contemporânea. Naquele momento, lamentou não ser repórter de cotidiano e estar afundada na cadeira até a madrugada, comendo pizza fria e fazendo o jornal acontecer no calor do inesperado trágico. O jornalismo _é duro, mas é verdade_ ganha mais sentido nesses momentos.

Mas o dia não terminara. Ainda restava um jantar com os amigos, cozinhando, bebendo e cantando juntos, num ensaio sobre a harmonia e a felicidade. Porque é preciso viver. Uma amiga vai-se embora para Buenos Aires e ela sorri triste antecipando a falta. Indas-e-vindas tantas nessa nossa vida ("sua mente funciona como um caleidoscópio", disse-me aquele senhor sentado em sua poltrona)

De volta à casa, um chuveiro. O dia terminara. Ela tinha sobrevivido a tudo. Tinha sobrevivido a si mesma, principalmente. Atirou-se na cama sem sonhos.

Wednesday, June 06, 2007

Poemim

Escrever é não temer
as ridiculezas do ridículo

Deixar viver, deixar dizer
as profundezas do soterrado

Nem meio certo nem meio errado.

Um meio termo abstrato
de um devaneio concreto.

Sunday, April 29, 2007

Momento cafona-cool

"Eu sei
que as cicatrizes falam
Mas as palavras calam
O que eu não me esqueci"

(ganha um prêmio quem se lembrar de onde isso vem)

Monday, March 26, 2007

À francesa

Não tem magoa que resista a um croissant com nozes.

Wednesday, February 21, 2007

Lições da História

Neste pós-Carnaval cheio de cenas deploráveis _Preta Gil como madrinha da bateria, Beth Carvalho barrada por uma diretoria tecnocrata e outras muito mais impróprias_ o melhor foi mesmo ouvir, em casa, a Elis, belíssima, cantando sua versão para "Folhas Secas" e ver meu projeto tomando forma, tomando gosto, tomando cara.

E começou a operação limpeza. Na agenda telefônica, no corpo, no armário... Jogar coisas fora tem enorme utilidade (Todo historiador sabe: a longo prazo, o que não tem tem registro é como se nunca tivesse existido. Amem.)

E para curar qualquer doença, é Itamar Assunção na veia.
Vamos viver que a vida é curta

(Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre

Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre)