Basta um dia
Entre o começo da manhã e o fim da noite tudo aconteceu. Já tinha decidido que vestiria a camisa branca _mandou passar de última hora_ e os brincos verdes meio novos.
No mesmo dia ela fechou uma edição da ilustrada aos gritos e barrancos (como todos os dias), saiu correndo atrasada para um almoço com uma galerista simpatissíma e, depois do risoto de shitaki (que italiano recém-chegado de Milão cismava em chamar de funghi) atravessou o trânsito do itaim à vila madalena para a continuação da tarde
Passou uns 20 minutos dentro da instalação do Matheus Rocha Pitta na Millan (tinha visto ainda antes de pronta para fazer a matéria) e naquela sala escura formada por latas de metal teve alguns insights sobre as funções (embora 'função' não seja propriamente a melhor palavra) da arte contemporânea. Dentro do cubículo, esperou. Primeiro que D. ligasse, depois aparecesse e que pudessem atravessar a rua debaixo da garoa e tomar um capuccino.
Ele repetiu três ou quatro vezes que estava feliz em revê-la, com o mesmo ar de menino. Ela se limitou a sorrir e falar de seus planos _de viagem, de trabalho_ , com ar de mulher bem resolvida.
Em francês, o último filme do Resnais cham-se apenas "Coeurs", mas confesso que gostei dessa tradução brasileira de "Medos Privados em Lugares Públicos".
(E ela esquivou as mãos do que poderia ser o começo de um novo mar de intimidades.)
Saiu para análise e pouco antes das 20h descobriu que 180 vidas tão cheias de meandros quanto a sua tinham acabado de extinguir-se no Aeroporto de Congonhas. Diante da dor dos outros. (Lindíssimo esse livro da Sontag). A TV mostrava as chamas tomando o avião, a cidade... e nem ela nem os bombeiros nem ninguém poderiam fazer nada.
Voltou à Barão de Limeira esquecendo tudo que pensara sobre arte contemporânea. Naquele momento, lamentou não ser repórter de cotidiano e estar afundada na cadeira até a madrugada, comendo pizza fria e fazendo o jornal acontecer no calor do inesperado trágico. O jornalismo _é duro, mas é verdade_ ganha mais sentido nesses momentos.
Mas o dia não terminara. Ainda restava um jantar com os amigos, cozinhando, bebendo e cantando juntos, num ensaio sobre a harmonia e a felicidade. Porque é preciso viver. Uma amiga vai-se embora para Buenos Aires e ela sorri triste antecipando a falta. Indas-e-vindas tantas nessa nossa vida ("sua mente funciona como um caleidoscópio", disse-me aquele senhor sentado em sua poltrona)
De volta à casa, um chuveiro. O dia terminara. Ela tinha sobrevivido a tudo. Tinha sobrevivido a si mesma, principalmente. Atirou-se na cama sem sonhos.
No mesmo dia ela fechou uma edição da ilustrada aos gritos e barrancos (como todos os dias), saiu correndo atrasada para um almoço com uma galerista simpatissíma e, depois do risoto de shitaki (que italiano recém-chegado de Milão cismava em chamar de funghi) atravessou o trânsito do itaim à vila madalena para a continuação da tarde
Passou uns 20 minutos dentro da instalação do Matheus Rocha Pitta na Millan (tinha visto ainda antes de pronta para fazer a matéria) e naquela sala escura formada por latas de metal teve alguns insights sobre as funções (embora 'função' não seja propriamente a melhor palavra) da arte contemporânea. Dentro do cubículo, esperou. Primeiro que D. ligasse, depois aparecesse e que pudessem atravessar a rua debaixo da garoa e tomar um capuccino.
Ele repetiu três ou quatro vezes que estava feliz em revê-la, com o mesmo ar de menino. Ela se limitou a sorrir e falar de seus planos _de viagem, de trabalho_ , com ar de mulher bem resolvida.
Em francês, o último filme do Resnais cham-se apenas "Coeurs", mas confesso que gostei dessa tradução brasileira de "Medos Privados em Lugares Públicos".
(E ela esquivou as mãos do que poderia ser o começo de um novo mar de intimidades.)
Saiu para análise e pouco antes das 20h descobriu que 180 vidas tão cheias de meandros quanto a sua tinham acabado de extinguir-se no Aeroporto de Congonhas. Diante da dor dos outros. (Lindíssimo esse livro da Sontag). A TV mostrava as chamas tomando o avião, a cidade... e nem ela nem os bombeiros nem ninguém poderiam fazer nada.
Voltou à Barão de Limeira esquecendo tudo que pensara sobre arte contemporânea. Naquele momento, lamentou não ser repórter de cotidiano e estar afundada na cadeira até a madrugada, comendo pizza fria e fazendo o jornal acontecer no calor do inesperado trágico. O jornalismo _é duro, mas é verdade_ ganha mais sentido nesses momentos.
Mas o dia não terminara. Ainda restava um jantar com os amigos, cozinhando, bebendo e cantando juntos, num ensaio sobre a harmonia e a felicidade. Porque é preciso viver. Uma amiga vai-se embora para Buenos Aires e ela sorri triste antecipando a falta. Indas-e-vindas tantas nessa nossa vida ("sua mente funciona como um caleidoscópio", disse-me aquele senhor sentado em sua poltrona)
De volta à casa, um chuveiro. O dia terminara. Ela tinha sobrevivido a tudo. Tinha sobrevivido a si mesma, principalmente. Atirou-se na cama sem sonhos.
1 Comments:
E agora só se fala de Congonhas... gostei de saber como seu dia se desenrolou antes/durante/depois da tragédia (aliás, quantas pequenas tragédias vivemos todo dia, não?)
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