Monday, July 30, 2007

O primeiro e último Bergman

Eu devia ter uns 12 anos quando me contaram que havia um filme. Um filme em que um homem jogava xadrez contra a morte. A imagem me atormentou durante anos (naquela pré-adolescencia eu já intuia que esse era o jogo que todos nós jogávamos, o tempo todo).
Só aos 17 tomei coragem e assisti "O Sétimo Selo". Foi o primeiro Bergman de alguns que se se seguiriam, e lembro que me impressionou a atmosfera sombria e densa que envolvia o filme inteiro. Havia ali uma névoa, uma marca, um jeito único de filmar. E era impressionante.

O último que vi foi em novembro, cinco ou seis dias antes do meu último aniversário. Me lembro até da roupa que eu vestia, na casa daquele rapaz que me convidou para "uma sessão" Bergman. Levei da minha coleção o "Através do Espelho", uma obra prima de 1961. Ele tinha vários outros títulos, e um avô que na manhã seguinte comentava a obra do cineasta com ares de especialista.

(Na tarde seguinte falei para Isabel ao telefone:
- Mas, Bel, preste atenção, como posso não me apaixonar por um cara que me chama para ver Bergman no sábado à noite?)

E já é 30 de julho. Hoje soube que Bergman morreu. Fiquei um pouco inquieta. Com a sensação de que perdi uma espécie de analista; alguém de quem eu só conhecia o contorno, mas que me conhecia muito bem, muito a fundo (gritos e sussuros)

Berg + Man. Começo a escrever esse post e percebo que são as terminações dos meus dois sobrenomes. E uma rajada de vento me atravessa.

Descanse agora, senhor diretor.

Nós continuamos a partida de xadrez, na ansiedade pelo xeque-mate. É um jogo implacável, mas o que pode haver de mais impresionante? De mais maravilhoso?
A vida, ah... a vida e seus morangos silvestes.

Wednesday, July 18, 2007

Basta um dia

Entre o começo da manhã e o fim da noite tudo aconteceu. Já tinha decidido que vestiria a camisa branca _mandou passar de última hora_ e os brincos verdes meio novos.
No mesmo dia ela fechou uma edição da ilustrada aos gritos e barrancos (como todos os dias), saiu correndo atrasada para um almoço com uma galerista simpatissíma e, depois do risoto de shitaki (que italiano recém-chegado de Milão cismava em chamar de funghi) atravessou o trânsito do itaim à vila madalena para a continuação da tarde

Passou uns 20 minutos dentro da instalação do Matheus Rocha Pitta na Millan (tinha visto ainda antes de pronta para fazer a matéria) e naquela sala escura formada por latas de metal teve alguns insights sobre as funções (embora 'função' não seja propriamente a melhor palavra) da arte contemporânea. Dentro do cubículo, esperou. Primeiro que D. ligasse, depois aparecesse e que pudessem atravessar a rua debaixo da garoa e tomar um capuccino.
Ele repetiu três ou quatro vezes que estava feliz em revê-la, com o mesmo ar de menino. Ela se limitou a sorrir e falar de seus planos _de viagem, de trabalho_ , com ar de mulher bem resolvida.

Em francês, o último filme do Resnais cham-se apenas "Coeurs", mas confesso que gostei dessa tradução brasileira de "Medos Privados em Lugares Públicos".

(E ela esquivou as mãos do que poderia ser o começo de um novo mar de intimidades.)

Saiu para análise e pouco antes das 20h descobriu que 180 vidas tão cheias de meandros quanto a sua tinham acabado de extinguir-se no Aeroporto de Congonhas. Diante da dor dos outros. (Lindíssimo esse livro da Sontag). A TV mostrava as chamas tomando o avião, a cidade... e nem ela nem os bombeiros nem ninguém poderiam fazer nada.

Voltou à Barão de Limeira esquecendo tudo que pensara sobre arte contemporânea. Naquele momento, lamentou não ser repórter de cotidiano e estar afundada na cadeira até a madrugada, comendo pizza fria e fazendo o jornal acontecer no calor do inesperado trágico. O jornalismo _é duro, mas é verdade_ ganha mais sentido nesses momentos.

Mas o dia não terminara. Ainda restava um jantar com os amigos, cozinhando, bebendo e cantando juntos, num ensaio sobre a harmonia e a felicidade. Porque é preciso viver. Uma amiga vai-se embora para Buenos Aires e ela sorri triste antecipando a falta. Indas-e-vindas tantas nessa nossa vida ("sua mente funciona como um caleidoscópio", disse-me aquele senhor sentado em sua poltrona)

De volta à casa, um chuveiro. O dia terminara. Ela tinha sobrevivido a tudo. Tinha sobrevivido a si mesma, principalmente. Atirou-se na cama sem sonhos.