Tuesday, February 28, 2006

Um frevo novo

Vim-me embora para Recife como quem vai para Pasárgada.

Ao chegar, encontrei o carnaval mais lindo do mundo e em mim só a vontade de passar longe, bem longe da multidão. Não entendi.

Pé na estrada com a Clara. "Telma e Louise" versão cangaço, sensacional. Foi só quando saí da cidade e fugi da dita "folia" que passou a angústia toda. As cidadezinhas no meio do nada, os canaviais (esse Brasil tão colonia, a perder de vista, deus do céu), o mar _o mar é definitivamente sagrado, mesmo para esta descrente_ as noites com brisa.

Não fui para Pasárgada, mas vi um carcará voando, algumas cabras e peixes coloridos. Paz e uma certa comoção

Agora sim. Agora. Eu faço perguntas e encontro respostas, pelo menos por agora. Tem épocas na vida da gente em que a gente só quer saber de carnaval, mas tem épocas em que não (não!) e é preciso respeitá-las. Eu vivo a sexta-feira da paixão antes do tempo.

Cada um tem a Pasárgada ou a São Paulo que inventou para si. Domingo estou de volta.

Monday, February 20, 2006

Gauche na vida

Tempos sombrios, ai Hannah Arendt. A direita sai do armário e eu trabalho para o encanto do showbusiness.
Bono deu tchau assim ou assado? Jagger saiu às 2h45 ou às 2h47? O que (e QUEM) ele comeu?

Sim, sim, monsieurs et madames, o maior caderno cultural do país se deslumbra com facilidade; Capas e mais capas para os astros, porque o resto é só o resto. Luz fria. Câmera. Redação.

Enquanto isso, o coronel Ubiratan comanda o massacre ("Cento e onze presos indefesos, mas pretos, são quase todos pretos. Ou quase pretos Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres") e é absolvido pela (in) justiça brasileira. Aux armes!***

***Pausa.*** Respiro.***

O blog da Clara volta e meia me lembra dos cravos portugueses (Choro junto com ela). Talvez um dia a gente mude o mundo, Clarinha, 0u pelo menos a História.

Doutor, eu não me engano... O coração desta canhota pende mesmo para o lado desta mão que escreve. Sonhos, sonhos são, canta o Chico. Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

Thursday, February 09, 2006

Mais literatura: Veredas

Mais uma empreitada literária que começa. Saio da França do 19 para o grande sertão, aquele mesmo. A capa roxa e amarela, o assombro, meu medo.

Um poema de Drummond escrito em homenagem à Guimarães abre a edição, magia:

UM CHAMADO JOÃO
Carlos Drummond de Andrade

João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparandono exílio da linguagem comum?

Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentesdeslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
de precípites prodígios acudindoa chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulasde abracadabra, sésamo?
Reino cercadonão de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não seio nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar."

Com esse poema assustador começou meu Grande Sertão: Veredas; e conversou comigo tão diretamente, tão clara e diretamente, que ficou óbvio, e mais que óbvio, que o momento de lê-lo era (é) este e nenhum outro. O livro abriu a boca e disse pra mim, como num segredo, que música é literatura e vice-versa, que ambas são sexo e desejo, e que a vida não passa de ficção.

Minha prima Paula quando não sabe o que fazer, consulta o Grande Sertão numa página qualquer, como a um I Ching, como a um oráculo. O livro está nas primeiras páginas, mas começo a entender o que acontece. Assombro.

Friday, February 03, 2006

O Vermelho e o Vermelho

"Pois tudo que eu relato, eu o vi;
e, se pude enganar-me ao vê-lo
com certeza não estou enganando
ao contar-lhe"

Depois de dois meses carregando o tijolinho debaixo do braço, intercalando com outros livros, curtindo a caprichada edição da Cosac & Naify dou por encerrado este "O Vermelho e o Negro" da temporada.

Ai, romances burgueses do séc. XIX... insistentes em deixar intrigadas, assim, as senhorinhas burguesas do séc. XXI. (sim, agora que fui contratada estou definitivamente condenada a ser uma senhorinha burguesa! rsrs)

"A palavra foi dada ao homem para esconder seu pensamento", me joga na cara a certa altura monsieur Stendhal. E eu aqui gastando as madrugadas para preencher páginas de Ilustradas, e Blogs e afins. Quantos pensamentos a esconder!

(E às vezes tudo o que eu quero é simplesmente receber um telefonema.)

"Mas, se gozar esse prazer com tanta prudência e circunspecção, não será mais um prazer para mim"... fantástico este trecho! Vermelho, como a casca das lixias, e o sangue, e a tal da paixão. A semana acabou, mais uma vez. Ninguém nunca sabe os vermelhos e negros que o final de semana nos reserva.